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PLURAL: os textos de Marcio Felipe Medeiros e Rogério Koff

Informação e falsidade
Marcio Felipe Medeiros
Sociólogo e professor universitário

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Vivemos em uma era de informações, no qual o acesso a fontes de conhecimento variadas é fácil e rápido. Isto cria, com muita facilidade, uma sensação que detemos muito conhecimento, que somos entendidos em diversos assuntos. Na prática, essa sensação, assim como várias outras que temos sobre a realidade que nos cerca, pode estar incutida de inúmeras variáveis absolutamente falsas. A falsidade não é uma mera perspectiva ou o sentido que damos a um fato (o que é uma opinião pessoal), mas se refere a tomar como fato algo que não existe, ou seja, construir argumentos sobre uma realidade fantasiosa, como comumente vemos em textos, postagens e vídeos que circulam pelas redes sociais.

FORMAS DE PENSAR

O economista Daniel Kahneman na obra "Rápido e Devagar" traz algumas contribuições sobre a forma como percebemos a realidade. O autor, que trabalha na área de "economia comportamental", faz um diálogo com a neurociência apresentando duas formas de pensar diferentes. Uma rápida, associada às tomadas de decisões cotidianas, que demandam ações rápidas (reagir a algo que está caindo, dar uma resposta em uma conversa, etc.). A forma de pensar lenta está relacionada ao cálculo, à análise de dados, à análise de situação (forma de pensar de um engenheiro que projeta um prédio, de um pesquisador, etc.)

Quando analisamos a realidade social, é comum ver pessoas dando respostas rápidas. Como por exemplo, ver a criminalidade aumentar e achar que a solução é ampliar o porte de armas. Segurança pública é um problema amplo e multifacetado e sua resolução não tem como ter uma resposta simples como "ampliar o porte de armas", demandando análise, estudo e planejamento. Este tipo de equívoco está diretamente relacionado a usar o pensamento rápido (intuitivo) para resolver questões complexas, que demandaria o pensamento lento (calculista) para ser resolvido.

ROMPENDO A BOLHA

Em concomitância com o uso equivocado do tipo de pensamento, de usar lógicas simplistas para resolver problemas complexos, soma-se a ilusão de que podemos nos tornar conhecedores de alguma área sozinhos. O conhecimento demanda duas dimensões importantes: uma é a retenção de conhecimento (ou seja, estudar, ler e pesquisar); e um segundo elemento relacionado à validação dele (o que se ocorre através das redes de diálogo). Um conhecimento que não dialoga é um conhecimento vazio, que diz respeito apenas àquele que o produziu. No diálogo podemos ver os equívocos da nossa forma de pensar, demonstrando a fragilidade do nosso pensamento. Em um mundo de redes sociais e notícias falsas, não só melhorar a qualidade das fontes de informação se faz importante, mas também estabelecer diálogos fora de bolhas de pensamento. Debater, de mente aberta, sobre a formas de pensar e dados que temos como referência para ver a realidade, pode trazer à tona equívocos do nosso pensamento, e mostrar que nossos argumentos podem não ser robustos. Como podemos ver no efeito Dunning-Kruger, pessoas ignorantes, em geral, acham que são muito inteligentes. Buscar não ser ignorante, como podemos ver, envolve pesquisa, ponderação e principalmente diálogo.

Sobre a estupidez
Rogério Koff
Professor universitário

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Em um divertido livro repleto de ironias, o historiador italiano Carlo M. Cipolla (1922-2000) descreve aquelas que entende serem as leis fundamentais da estupidez humana. Destaco a capa do livro na ilustração do meu artigo de hoje. Cipolla divide os seres humanos em quatro grandes grupos: os inteligentes, os vulneráveis, os bandidos e os estúpidos.

Os inteligentes são aqueles indivíduos que, através de suas ações, são capazes de produzir o bem para si próprios e para os demais. Vulneráveis são pessoas que beneficiam outras, mas acabam se prejudicando. Bandidos são aqueles que obtêm ganhos para eles próprios e prejudicam terceiros. O quarto grupo é aquele que mais nos interessa. Nas palavras do autor, "uma pessoa estúpida é uma pessoa que provoca perdas para outra pessoa ou um grupo de pessoas enquanto não obtém nenhum ganho para si mesma, e possivelmente incorre em perdas".

Cipolla lembra que pessoas sensatas, quando confrontadas com o enunciado anterior, reagem com incredulidade e ceticismo. Isso ocorre porque a estupidez é um atributo irracional. Todos somos capazes de lembrar de ocasiões em que alguém fez uma ação que resultou em seu ganho e em nossa perda. Neste caso, estávamos diante de bandidos. Também lembramos de situações em que certa pessoa agiu de forma a resultar em uma perda para ela e em nosso ganho. Trata-se do vulnerável. São mais raros os casos em que lidamos com indivíduos inteligentes, que agem de modo que os dois lados ganham. Mas estes não são os acontecimentos que pontuam com mais frequência nossa vida diária, a qual é feita de casos em que perdemos dinheiro, tempo, energia ou saúde devido à ação improvável de alguma criatura que não tem nada a ganhar com isso. Os estúpidos são aqueles que não ganham nada ao nos causar embaraços e dificuldades.

DEFESA DE CRIMINOSOS

Lembro de Cipolla quando vejo analistas políticos, jornalistas e ditos "intelectuais" tratando bandidos como se fossem mártires de uma luta social, a qual tem de um lado os ricos e poderosos e de outro os pobres, os negros e os favelados. Como se o crime organizado fosse composto por vítimas da sociedade. Foi o que aconteceu em grande parte da cobertura midiática sobre a recente ação da polícia na favela do Jacarezinho. 

Há muito tempo que o tráfico realiza uma guerra contra a população do Rio de Janeiro. Dentre os 28 mortos, apenas um não era bandido: justamente o policial que participou da operação. Mas as elites intelectuais insistem em tratar o caso como um "massacre". E logo veio o brilhante STF pedir a apuração da ação policial. O mesmo Supremo que, no ano passado, determinou a suspensão das operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia. 

Já sabemos que os mortos pela polícia eram pura e simplesmente bandidos. Em qual categoria colocamos os intelectuais que os defendem? Seriam inteligentes, vulneráveis ou simplesmente estúpidos?

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